A Viagem – Ribeirão Grande a Criciúma – Parte IV
Domingo, 27 de Abril de 2008 | 7 comentários
Os nomes das cidades me impressionavam e ficava imaginando por que deste ou daquele nome, gerando imagens fantasiosas. Congonhas, Esperança, Içara, nomenclaturas novas em minha cabeça de menino de interior ainda bitolado a um universo tão pequeno, de linguajar e dimensões tão restritos.
Criciúma, ou Cresciúma, como muitos a chamavam na época, se apresentou para mim com um cheiro próprio. Um odor que muito tem a ver com o cheiro de fumaça do trem e as primeiras imagens de pirita preta que deram os primeiros referenciais. Eu vinha morar em Criciúma.
Rua Geral do bairro Próspera (fotografia da década de 1950)
Esta cidade passava a ser o meu lugar daí em diante, não tinha que ficar desapontado com isto ou aquilo. Tudo estava resolvido em minha cabeça simples de menino. Ademais, o fato de estar com o pai, a mãe e as irmãs já era uma garantia de segurança, confiança e tranqüilidade, o que toda criança busca para sentir-se confortável.
Os cambucazeiros onde minha mãe colhia os cambucás nos tempos de menina. Segundo meu tio Braz, irmão caçula de minha mãe as árvores ainda são as mesmas, pelo que deduzo que tenham aproximadamente 100 anos.
O terreno abaixo, que faz fundos com a Lagoa de Santo Antonio fazia parte do sítio de meu avô Zé Manézinho. (fotografia de maio de 2003)
O trem apitou na “Corda-Bamba”, ou mais precisamente ao vencer o “corte”, anunciando que a estação estava próxima. Meu pai me chamou para o lado direito da janela para avistarmos o bairro Próspera, aonde íamos morar e, se possível, a casa de tia Chica que nos aguardava.
Muitos eucaliptos e uma vila de casas pretas quase a confundir-se com o preto da montanha de carvão, situada bem no centro do bairro, uma pequena igreja amarela e uma enorme chaminé foi o pouco que pude identificar como sendo a terra prometida. Em vão meu pai quis que localizássemos a casa de tia Chica, mas não consegui vê-la, até porque as casas em ruas mais ou menos alinhadas se pareciam muito umas às outras.
O trem dera o apito de alerta e estávamos chegando e começamos a nos movimentar, com os devidos cuidados de minha mãe para não esquecermos nada.
– “Luzia, segura a mão do Zé e da Ica para descerem! Cuidado para não pisar em falso ao descer a escada do vagão!” Minha mãe, como sempre, ansiosa e preocupada, não se cansava de dar recomendações. Acho que isto era uma característica de família, pois um dos filhos de tia Catarina, irmã de minha mãe que morava em Laguna, quando deixou a casa para ir estudar fora, chegou a escrever uma poesia e remeter para a mãe, abordando os sete cuidados sempre lembrados por minha tia ao despedir-se dos filhos. Sempre que alguém colocava o pé fora de casa para viajar ela não cansava de repetir: “tenha sete cuidados!”
Às vezes fico a refletir como as pessoas antigas eram cuidadosas e sábias em seus princípios de vida. Na época ríamos e achávamos até meio estranha aquela expressão: “sete cuidados”. Só mais tarde deduzi a abrangência da expressão. Ao mandar conservar os “sete cuidados” é mais do que certo que estaria aconselhando a manter atentos todos os sentidos e mais alguma coisa, como é o caso da intuição. Afinal, sete é o número mágico e a complexidade de seu sentido antecede ao advento da bíblia.
Não lembro de haver trazido sequer um brinquedo entre meus pertences. Lembro-me apenas de ter ganhado um brinquedo nos anos vividos no Ribeirão: um carrinho verde, feito de folhas de flandres, que me causou grande alegria no Natal. No mais, meus primos Nascimento e Conceição, bem como a Ica e eu, brincávamos com sabugos de milho e papéis de bala. Os sabugos viravam bois como no poema de Manoel Bandeira “O mundo do menino impossível” e os papéis se transformavam em “contos-de-réis” em nosso mundo de faz-de-conta. Comprávamos e vendíamos bois a exemplo das atividades de nossos pais.
As brincadeiras das crianças normalmente imitam as atividades dos adultos, especialmente dos pais, seus primeiros ídolos, quando há uma identificação saudável e de empatia. Haja vista que nunca quis saber de brincar de mineiro, pois tinha pena de ver meu pai chegar diariamente todo sujo de carvão da mina, após um dia de trabalho, enfurnado em um buraco de mina de carvão como se fosse um tatu, em precárias condições, exposto ao perigo constante e comprometendo sua saúde.
Tia Chica e seus filhos Antônio, José e Bernadete nos acolheram muito bem e com franca hospitalidade, querendo saber tudo de uma vez, da viagem, das notícias do pessoal do Ribeirão, das novidades do lugar, etc. E após nos lavarmos para retirar a poeira do trem e o cheiro da fumaça, tia Chica já havia servido a mesa com um gostoso café com pão de venda, juntamente com outras “misturas” próprias da cozinha do sítio que minha mãe trouxera. Somente uma boa cama restaria para ajeitar tantas novidades e peripécias para um único dia e restabelecer as energias para enfrentar a nova vida que iríamos enfrentar.
Ao relatar esta viagem quis repassar aos que nos sucedem as lutas e dificuldades que enfrentavam as famílias que vinham do litoral para trabalhar nas minas de carvão. O império do carvão estava em seu apogeu e apresentava-se às pessoas simples do interior como um novo Eldorado, um chamariz, uma promessa de uma vida mais segura, sem que ter que contar com as incertezas da vida de lavrador ou pescador que muito pouco apoio recebia por parte dos poderes constituídos.
A exemplo de minha família, era grande o número de famílias que diariamente chegavam a Criciúma para enfrentar a vida de mineiro.
A ponto de chegar-se a considerar uma loteria conseguir uma vaga para trabalhar em uma carbonífera. Principalmente na Carbonífera Próspera, uma estatal muito bem conceituada na região.
Enviado por: José (Braz) Silva
Comentários:
#1 – Aurelio Souza Batista 13/09/2009
Ribeirão; Corda-Bamba; Chaminé; Prospera; Me lembra as tardes/noites em que Você, meus Primos (Aldinha/Teia/Sérgio), meus irmãos (Maria Helena/Valério) e outros tantos, cantavam Jovem Guarda na varanda da casa de meus pais(Lilio/Santa), depois da missa. abraço,
#2 – José (Braz)da Silva 18/09/2009
Que doces lembranças, você fez aflorar, Aurélio. Que bom estar encontrando-o virtualmente, já que presencialmente está ficando cada vez mais impossível. Lembro-me com muita saudade de seus pais, irmãos, de você especialmente e da primalhada que eram todos meus amigos.”,Jovens tardes de domingo…quanta alegria..”Em meu imaginário perduram com o mesmo calor e ternura de outrora. Abraço, amigo. Zé Braz
#3 – MARIA JOSÉ GARCIA 14/10/2009
PARABÉNS, JOSÉ (BRÁS) SILVA! COMO FILHA DE MINEIRO, FIQUEI EMOCIONADA COM ESTE DEPOIMENTO. OBRIGADA! MARIA JOSÉ GARCIA
#4 – José (Braz)da Silva 04/11/2009
Obrigado também, Maria José. Não te conheço, mas sei que temos um elo muito forte em comum : somos filhos de mineiros, heróis anônimos que deram seu suor pelo progresso de Criciúma. Ainda penso em arranjar uns parceiros de boa vontade para construirmos um site sobre a Grande Próspera, nos moldes deste aqui. Tenho um bom acervo de fotos, principalmente.
#5 – ROGÉRIO NOVAAKOWSKI DA ROSA 12/04/2012
Acabei por acaso, de conhecer esse site. O pouco que lí me impressionou. Nasci em Criciúma ( linha batista ) em 1958, porém meu saudoso pai vei de Ribeirão Pequeno com 14 anos de idade para Criciúma e terminou por aposentar-se na Carbonífera Próspera no ano de 1972. O nome de meu pai é Manoel Leonel da Rosa ( Mané Grande ) muito conhecido dos que trabalharam na Próspera. Atualmente sou administrador e moro no centro de Criciúma. Com absoluta certeza a partir de hoje vou visitar esse site constantemente, pois o mesmo me lembra as visitas que eu e minha família fazíamos em Ribeirão Pequeno. Saudações e parabéns pela iniciativa
#6 – José(Braz)da Silva 12/04/2012
Aqui está riqueza deste site: de podermos interagir, confrontarmos experências de vida. Mais dois amigos aqui se manifestaram: o Idemar e o Rogério. O Idemar, um rapaz muito simpático e comunicatico, dono de um sorriso muito franco que tem como moldura um caprichado bigode preto. Volta e meia nos cruzanos no centro de Criciúma, quando não no escritório do Canarin, outro amigão , leão dedicado que publicouum belíssimo livro sobre os 50 anos do Lions em Criciúma e fez questão de me autografar um exemplar com significatiiva dedicatória. O outro é o Rogégio, filho do Sr. Mané Grande, muito comentado na família do meu sogro, Brás Tadeu da Rosa. Acho que eram parentes e até compadres. Lembro-me, inclusive que morava na virada do corte da Próspera. Hoje aquilo ali está tudo mudado. Que bom, Rogério, que você tenha se identificado com o site. envia aí algumas contribuições também, principalmente fotos antigas da família… Aos dois, o meu caloroso abraço. José.
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