O Cerco de Emenda
Domingo, 23 de Novembro de 2008 | 3 comentários
A pesca de Emenda (Pesca com redes lançadas em forma de círculo) era muito freqüente na Lagoa Santo Antônio, na cidade de Laguna, há alguns tempos atrás. Hoje é pouco executada esta atividade na pesca.
Ainda pequeno, eu tinha meus sete anos e desejava loucamente ser um pescador no cerco de Emenda, mas meu pai não queria permitir, pois eu era muito pequeno e magrinho. Dizia ele que eu não agüentaria passar um dia de sol e possivelmente de vento no mar. Apesar de eu muito insistir, meu pai proibia e eu obedecia, pois a palavra do pai era lei.
Dos nove aos dez anos, então eu já saia para pescar com ele na lagoa, à noitinha, de minjoada, ou seja, esticávamos as redes na lagoa de um dia para o outro com intuito de malhar peixes. No dia seguinte, íamos colher. Nas manhãs de inverno, meu pai acordava e saia do quarto, com muito cuidado para não nos acordar, principalmente, eu que queria sempre ir com ele ver e colher a rede. Eu dizia que iria ajudar a remar e colher a rede… Dizia também que não estava com frio. Assim, meu pai acabava concordando comigo e eu então, comecei a pescar.
Logo, logo, estava eu pescando com meu pai no Cerco de Emenda na Lagoa Santo Antônio o que me deixava muito contente. Saímos, cedinho, as cinco da manhã para poder pescar mais, pois o vento nordeste, às vezes, começava mais cedo e impedia nossa permanência no mar, porque a canoa pulava muito, as redes então enrolavam e estragavam. No momento em que lançavam as redes, ficávamos numa expectativa muito grande, pois imaginávamos cercar um grande cardume que era o desejo de todos. Quando o mar estava calmo e a água clara, dava para perceber o peixe passando e podia-se lançar a tarrafa certeira. Assim que a tarrafa caia n’ água, os peixes batiam forte de cabeça no pano da tarrafa, num lado e noutro, ansioso para fugir. Atentamente, estava o pescador colhendo a tarrafa e sentindo a satisfação de ter apanhado o peixe, pois além do prazer de apanhar e dominar sua presa, estava a garantia de levar o precioso alimento para sustentar a família.
Quando o cerco se fechava e completava a circunferência, os pescadores, ou seja, os tarrafeiros iam tomando suas posições junto à rede e iniciando o arremesso das tarrafas. Cada um, naquele momento, tinha em mente que seria a hora certa do arremesso da tarrafa e imaginava estar acertando um número bom de tainhas.
Enquanto isso acontecia, um dos homens da equipe ia puxando uma ponta das redes que compõe o círculo e ia apertando o mesmo, em forma de caracol, para que o espaço no interior ficasse menor dificultando aos peixes a fuga das tarrafas.
Logo após a pescaria daquela cercada, os pescadores abrigavam os peixes embaixo do forro (estrado) para impedir que ficassem expostos ao sol, pois estragaria facilmente. Em seguida, lavavam a canoa e faziam um lanche. Os redeiros, imediatamente, saíam a colher as redes para não serem danificadas pelos siris que estragavam-nas ao devorarem os peixes que estavam malhados. Assim, sobrava tempo até para nadar e dar uns mergulhos, àqueles que gostavam deste esporte. Muitos dos pescadores aproveitavam aquele intervalo entre uma cercada e outra para comer algo.
Normalmente, dava-se umas três cercadas por dia, posteriormente, colhiam-se as redes para ir embora. Os tarrafeiros encostavam suas canoas junto à do capataz ou dirigente para repartir, ou seja, deixar um percentual ao grupo das redes da Emenda. Sem demora, preparava-se para ir embora. Com auxílio do vento nordeste ficava mais fácil, pois se viajava sentado, podendo se deliciar do visual que se tinha da lagoa e do campo recortado pelo rio em linha sinuosa. De longe, era fácil observar a trajetória das canoas à vela como também a chegada de toda a frota pesqueira ao porto do Ribeirão.
Sempre havia um representante de cada residência aguardando a chegada do peixe para ser vendido, pois numa comunidade ribeirinha o povo se alimenta mais da pesca.
Muitos dos pescadores, ao chegar em casa, escolhiam duas ou três tainhas e preparavam um cozido com um provocante tempero verde, composto por alfavaca, orégano, manjericão e cebolinha, exalando um forte aroma que despertava a atenção de quem passasse na estrada. Alguns preferiam cozer a tainha no feijão sem introduzir o tempero acima citado. Outros colocavam o peixe na brasa com ou sem escamas.
Assim, acontecia a pescaria de Emenda e precisa ser lembrado da emoção que eu sentia.
Enviado por: Manoel Liones Adriano
Descrição perfeita do que era a pesca artesanal familiar. Cultura que vai perdendo espaço para a tecnologia.
Gostaria de conhecer essa terra onde viveram meus antepassados. Antônio Rodrigues de Figueiredo e Anastácia eram meus heptavós, com muito orgulho. Segundo relatos, Antônio foi dos primeiros habitantes do Ribeirão.